postado por : UENES GOMES 24 de fev. de 2014


Beatriz Boclin Marques dos Santos
Coordenadora do núcleo de documentação e memória do Colégio Pedro II.
Incluir o Brasil no rol das nações civilizadas: este era o projeto do Império. O Estado se esforçou para melhorar o nível do ensino superior e implementar a instrução primária e secundária. A criação do Colégio Pedro II atendia a esse plano do governo, já que se dedicava à formação da elite brasileira. E a História ganhava importância: era necessário estudar o Brasil, conhecer sua gênese. Somente olhando um passado comum seria possível forjar a nacionalidade. 
O Brasil vivia o Período Regencial (1831-1840), quando não havia um imperador de fato e várias províncias abrigavam movimentos separatistas. Por isso, a unidade do Estado Imperial estava ameaçada, e a História surge como um elemento capaz de construir uma “identidade nacional”. Por isso foi criado, em 1838, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), sob a proteção do Império, para ajudar a elaborar uma narrativa sobre o passado nacional que valorizasse os grandes feitos políticos ligados à monarquia.
Litografia de Bertichem (década de 1860) mostra a primeira sede do Colégio Pedro II, ao lado da Igreja de São Joaquim.
primeira sede do Colégio Pedro II, ao lado
 da Igreja de São Joaquim.

O primeiro regulamento do Colégio Pedro II data do mesmo ano da criação do IHGB, em 31 de janeiro de 1838. Nele, a História fazia parte do plano de estudos como disciplina obrigatória. Esse documento incluía a estrutura organizacional e os fundamentos filosóficos da escola, com seu ensino enciclopédico e acadêmico.

O documento estabelecia que a duração do curso inicial – equivale ao segundo segmento do ensino fundamental e ao ensino médio – na instituição seria de oito anos. A disciplina História era ministrada desde o 3º ano do curso até o final, considerada uma matéria de peso em um currículo que valorizava a formação clássica e erudita.

Apesar de ser uma escola pública, o Colégio Pedro II não era gratuito naquela época. Os alunos pagavam o honorário do ensino prestado, fixado pelo governo imperial. Os primeiros alunos ingressaram na instituição por meio de um rigoroso exame de admissão que prezava a idade, o mérito adquirido e o mérito ingênito, ou seja, pessoas que possuem um dom inato. Ao completar o curso, os estudantes recebiam o grau e o diploma de Bacharel em Ciências e Letras, que os habilitava a ingressar no ensino superior sem prestar exames.

A origem do Colégio Pedro II remonta ao Seminário dos Órfãos de São Pedro, criado pela provisão do bispo D. frei Antonio de Guadalupe em 1739, no Rio de Janeiro. Depois de 27 anos, passou a se chamar Seminário de São Joaquim e exerceu também a função de escola, representando um polo de cultura. Esse papel ganhou ainda mais relevância com a expulsão dos jesuítas, em 1759. Sem os religiosos, os jovens da Colônia ficaram com poucas opções de ensino. A educação era feita em casa com preceptores ou em seminários ligados às paróquias locais.

O Seminário de São Joaquim foi transformado em Colégio Pedro II graças a um decreto publicado em 1837. A iniciativa foi do ministro interino do Império, Bernardo Pereira de Vasconcellos, durante a Regência de Pedro de Araújo Lima (1793 -1870). O nome dado à escola foi estratégico, já que dava a ideia de que a instituição pertencia ao imperador.

A História foi ganhando espaço em uma articulação singular entre a academia e a escola. Coube aos historiadores do IHGB, criado em 1838, a missão de pensar e escrever uma história que construísse a identidade nacional e que fosse lecionada no Colégio Pedro II. Por causa disso, o ensino da disciplina acabou ficando marcado pela historiografia acadêmica e nacionalista que vigorava no IHGB.

A produção didática para a História no Brasil começou, desta forma, dentro da esfera do Estado – mais precisamente da monarquia –, já que tanto o Colégio como o IHGB estavam sob a proteção direta do imperador D. Pedro II (1825-1891). Quase todos os professores do Colégio Pedro II eram, inclusive, sócios do Instituto.

O ministro Bernardo Pereira de Vasconcellos era quem indicava os professores para as cátedras do Colégio, uma decisão que tinha que ser aprovada pelo próprio imperador. Os professores catedráticos tinham status acadêmico e muitos deles integravam as cadeiras nos níveis de ensino superior e secundário.

Como não havia instituições que se dedicassem à formação de professores, normalmente eram selecionados membros da comunidade letrada do Império, como advogados, médicos, escritores. Era uma elite intelectual basicamente formada no exterior. Entre os nomes famosos que deram aula no Colégio Pedro II estão os historiadores-autores Justiniano José da Rocha (1811-1864) e Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882).

A escolha do material didático também era cuidadosa. O próprio Bernardo Vasconcellos fazia a seleção dos compêndios – como eram conhecidos os livros didáticos da época. As primeiras publicações desse tipo foram inicialmente importadas: eram os manuais franceses de Cayx e Poisson (História Antiga) e os de Rozoir e Dumont (História Romana). Mais tarde, essas obras foram traduzidas por Justiniano José da Rocha.

O governo imperial estabelecia ainda os programas de ensino do Colégio. Todos eles seguiam os ideais do Império de gerir um projeto para uma nação identificada com o homem branco europeu e cristão. Para desenvolver o trabalho de construir uma História do Brasil, os intelectuais historiadores do IHGB e do Colégio Pedro II utilizaram a concepção de História que se constituía na Europa naquele momento. A escrita era fundamentada em uma história universal, ligada às tradições iluministas, de cunho científico. Esta modalidade atendia à necessidade de pesquisar o passado colonial e de valorizar a realidade brasileira sem deixar de incluir o país na civilização ocidental. Mas o controle não era absoluto. Afinal, o conteúdo das disciplinas estava a cargo dos catedráticos, em sua maioria autores dos livros didáticos ali adotados. Nascia assim uma escrita da história acadêmica dedicada ao ensino.

No Colégio Pedro II, a História fazia parte do chamado currículo das “humanidades”, cujo padrão cultural era a Antiguidade Clássica. A formação oferecida se inspirava na educação francesa, tendo como modelo as escolas idealizadas por Napoleão Bonaparte, como o Colégio Henrique IV e o Liceu Luís, o Grande. Latim, grego, literatura clássica e história ocidental compunham o currículo escolar.

Esse estudo pretendia ainda transmitir um compromisso moral, promovendo a construção de valores que qualificariam o cidadão. Por isso, os conteúdos ensinados deveriam oferecer modelos de conduta, valorizando a figura do herói da Antiguidade, cuja virtude serviria de inspiração aos jovens alunos. Era uma educação que pretendia formar o futuro cidadão, o homem de bem que iria desempenhar funções fundamentais para o Estado.

A escola representou um lugar de formação tanto do currículo quanto do ensino de História, iniciando os programas curriculares e os manuais didáticos. Se a historiografia brasileira teve como ponto de partida o IHGB, a História estruturada como matéria escolar começou no Colégio Pedro II.

Beatriz Boclin Marques dos Santos é coordenadora do Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II.

Saiba Mais - Bibliografia

DÓRIA, Escragnolle. Memória Histórica do Colégio Pedro II: 1837-1937. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1997.

GASPARELLO, Arlette Medeiros. Construtores de identidades: a pedagogia da nação nos livros didáticos da escola secundária brasileira. São Paulo: Iglu, 2004.

FONTE: BN/ agosto de 2010

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