postado por : UENES GOMES 30 de dez. de 2013

Os historiadores, professores de História, especialistas diplomados se posicionam com relação alguns livros de conteúdos historiográficos publicados recentemente e que têm virado febre nacional, cito os "famosos" Guias Politicamente Incorretos, da História do Brasil, América Latina, Filosofia, afinal de contas é sobre um deles, o Guia Politicamente Incorreto da América Latina, que trataremos aqui. O texto é de dois jornalistas que utilizam uma linguagem menos rançosa, o que acontece alcançar públicos não especializados e que geralmente não gostam de história pelo motivo da linguagem formal. No entanto é importante a atenção em determinados aspectos dos textos apresentados uma vez que na sua maioria não há no todo uma metodologia pertinente para dizer dos fatos apresentados nos textos. É um dos problemas decorrentes que os acadêmicos apontam para as obras de Laurentino Gomes, no tocante o ultimo volume que trata da proclamação da república e traz uma série de fatores que não cabem no enredo contexto histórico. Apesar da vasta bibliografia há vários atropelos no discorrer do processo da narrativa. Mas o que quero compartilhar aqui é um texto de uma especialista em História da América Latina, que rebate um dos Guias Politicamentos incorretos, a saber o da América Latina, sua área.

Maria Lígia Coelho Prado, graduada em História pela FFLCH/Universidade de São Paulo (1971), Mestre em História Social, FFLCH/USP (1974) e Doutora em História Social, FFLCH/USP (1982); Livre-docente em História da América Independente, FFLCH/USP (1996); Professora Titular em História da América Independente, FFLCH/USP (2002). Professora Emérita FFLCH/USP (2012). Foi presidente da Associação Nacional de Pesquisadores e Professores de História das Américas (ANPHLAC), 1998/2000. É especialista em História da América Latina, trabalhando na intercessão dos campos da História Política, História da Cultura e História das Idéias. Foi coordenadora do Projeto Temático/FAPESP: Cultura e Política nas Américas: Circulação de Idéias e Configuração de Identidades (séculos XIX e XX) entre 2007 e 2011. Membro do Laboratório de Estudos de História das Américas - LEHA do Departamento de História da USP, que coordenou entre 2008 e 2012. (texto do Lattes da docente ) 
Em entrevista ao Estadão a Doutora fala sobre o livro.

O principal objetivo desse Guia Politicamente Incorreto da América Latina, nas palavras dos autores, é derrubar do pedestal o que chamam de "falsos heróis latino-americanos". São "falsos" porque deles se construíram injustas imagens laudatórias. O livro quer mostrar a "outra" face desses homens, indicando seus equívocos, fraquezas e incapacidades. Cada capítulo está dedicado a um dos personagens que será objeto de críticas, de Simón Bolívar a Che Guevara.
Sem dúvida, a decisão dos autores de centrar o texto nas figuras dos "heróis" ou dos assim denominados "grandes homens" é bastante decepcionante. A desmistificação de heróis - "falsos" ou não, latino-americanos ou europeus - foi tarefa já exaustivamente cumprida pelos historiadores. Para que o passado histórico seja compreendido, é indispensável que se faça uma cuidadosa análise dos pensamentos e ações de homens e mulheres envolvidos na complexa trama de questões sociais, políticas, culturais, religiosas e econômicas.
Para construir seus argumentos e ordenar sua narrativa, Leandro Narloch e Duda Teixeira se apoiam em muitas citações retiradas da bibliografia e indicam suas fontes em notas de rodapé, conferindo ao livro um pretenso ar de respeitabilidade acadêmica.
Todos os capítulos trazem afirmações polêmicas, simplificações oportunas e interpretações discutíveis que mereceriam ser esquadrinhadas. Repetem a equivocada estratégia de pinçar frases a esmo, retirando-as do contexto histórico, atribuindo-lhes valores positivos ou negativos sem as devidas explicações e restringindo, portanto, sua compreensão. Diante de tantas possibilidades para o exercício da crítica, analisamos dois procedimentos utilizados pelos autores para sustentar seus pontos de vista.
O primeiro deles é o de se apropriar de uma fonte bibliográfica contestada e corroída por suspeitas e apresentá-la ao leitor brasileiro como fidedigna e isenta. O capítulo sobre Salvador Allende, que é particularmente controverso e recheado de afirmações refutáveis, exemplifica tal utilização imprópria. Narloch e Teixeira, no item 6 do capítulo, retiram informações do livro do chileno Víctor Farías, Salvador Allende, Anti-semitismo e Eutanásia, para acusar o falecido presidente de racista e antissemita e para associá-lo a certas práticas nazistas. Essas rotulações já foram fortemente denunciadas e refutadas no Chile, inclusive com a publicação de documentos que demonstram os equívocos de todas as acusações.
Para mais clara compreensão do manuseio das fontes pelos autores, vamos nos ater à questão do racismo e antissemitismo. Sobre esse tema, Narloch e Teixeira reproduzem trechos retirados do livro de Farías, que supostamente teriam sido transcritos da tese Higiene Mental e Delinquência, que Allende escreveu para obter o título de médico em 1933. As frases atribuídas a Allende estão carregadas dos piores preconceitos sobre judeus, ciganos, árabes, italianos, homossexuais e alcoólatras. Entretanto, a Fundação Presidente Allende, da Espanha, para refutar as diatribes de Farías, publicou a tese original de Allende, que também está disponível na internet. O que se constata é que Allende estava, no trecho mencionado, reproduzindo frases do médico e criminologista italiano Cesare Lombroso - ele afirma isso literalmente - numa discussão sobre suas teorias, como ainda era usual no começo dos anos 30. A conclusão de Allende sobre as possíveis relações, defendidas por Lombroso, entre origem étnica e delito criminoso, é a de que não havia dados precisos para demonstrar tal influência "no mundo civilizado" (p. 115 da tese). Frase esta que não aparece na transcrição de Farías e do Guia. Como se sabe, o bom historiador e o bom jornalista devem checar suas fontes, estudá-las, compará-las, garantir sua credibilidade e depois transcrevê-las com correta isenção.
O segundo procedimento refere-se ao mecanismo de utilização de uma fonte bibliográfica de prestígio para referendar ou legitimar conclusões bastante diferentes daquelas defendidas pelos autores do Guia. O capítulo sobre Pancho Villa, líder da revolução mexicana, é, nesse sentido, exemplar. A intenção explícita de Narloch e Teixeira é demonstrar que Pancho Villa não era antiamericano e não foi um Robin Hood latino-americano (p. 239). Para alcançar seu objetivo, os autores fazem referências a trabalhos de historiadores de onde retiram informações pontuais e dados específicos. Entre eles, um se sobressai, pois é citado em 27 das 47 notas de rodapé: Friedrich Katz, historiador da revolução mexicana, homem de convicções esquerdistas e autor de uma monumental biografia de Pancho Villa. Nela, Katz salienta o lugar de Villa no movimento revolucionário e procura fugir das lendas e da construção do mito. A trajetória pessoal e política de Villa é analisada integrada ao contexto social do México. Assim, existe um fosso entre a abordagem e conclusões de Katz e aquelas encontradas no Guia. A voz de autoridade de Katz é utilizada apenas para conferir credibilidade aos argumentos do Guia.
Para terminar, uma observação de caráter geral. Os autores apresentam no Guia uma visão desdenhosa sobre a história da América Latina. Só se entende essa exacerbada desqualificação se ela for pensada como a outra face do real desconhecimento dos autores sobre o assunto.
Estadão (link para a matéria) publicado em 2011.

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