postado por : UENES GOMES 7 de mar. de 2014

Por  Francisco Falcon & Gerson Moura

      As mudanças econômicas que ocorreram no período de transição do feudalismo para o capitalismo, estão ligadas, direta ou indiretamente, ao processo de acumulação primitiva de capital. Essa acumulação se deu nos setores agrícola, industrial e mercantil.
     No setor agrícola, o processo de acumulação se realiza através das transformações agrárias conhecidas como cercamentos ou enclosures, implicando no avanço do capitalismo no campo. Tais cercamentos eliminam as sobrevivências feudais, promovendo a reorganização das parcelas, expropriando rendeiros e parceiros, apropriando-se o senhor das reservas e terras comuns, cercando-as a fim de reuni-las às suas próprias terras para faze-las produzir mais e melhor. Assim, liquida-se o sistema comunitário de exploração, suprimem-se os direitos coletivos sobre as terras, pastos e florestas, provocando a saída de grande contingente de camponeses do campo ou convertendo-os em simples assalariados.
     Praticados intensamente em certas regiões da Inglaterra desde o final do século XV, os cercamentos tiveram nos séculos XVI e XVII um outro caráter suplementar, ou seja, irá substituir o cultivo de cereais pela criação de ovelhas, dada sua maior rentabilidade em função da alta dos preços da lã no mercado internacional, no momento em que as indústrias têxteis se difundem.
     Em outras regiões do continente europeu, os cercamentos, próximos dos centros urbanos, traduzirão mudanças no comportamento da nobreza ou a apropriação de terras valorizadas em termos capitalistas, por elementos burgueses.
    No setor industrial, verifica-se nesse período o aparecimento e expansão acelerada do capital industrial, quer dizer, o capital resultante da aplicação de recursos nas atividades produtivas de tipo artesanal e do seu reinvestimento nessas mesmas atividades.
    Quer seja oriunda do próprio meio artesanal, através de um processo de diferenciação interna, quer seja egressa do setor mercantil, o fato importante é que a burguesia industrial tende a distinguir-se cada vez mais da burguesia mercantil, interessando-se acima de tudo pela expansão da produção industrial. Esta burguesia é a grande responsável pelo desenvolvimento dos diversos tipos de manufaturas que encontramos nessa época. Beneficiária, a princípio, da política de privilégios inerentes ao mercantilismo, ela tende, aos poucos, a combatê-los e contesta-los como instrumentos inadequados e até mesmo nocivos ao desenvolvimento ulterior da produção e dos negócios em geral.
    A manufatura assume nesse processo uma importância muito grande porque é no seu interior que se faz sentir cada vez mais a crescente diferenciação entre os detentores do capital e os que, embora ainda possuam seus instrumentos de trabalho, se subordinam cada vez mais aos primeiros como assalariados. Até que ocorram grandes progressos técnicos, colocando a máquina nas mãos do capitalista, o artesão pode resistir, bem ou mal, à sua completa expropriação, fazendo valer a sua capacidade técnica e artística em defesa de sua autonomia relativa.
    No plano mercantil, a acumulação decorre, na realidade, de duas atitudes inseparáveis do comerciante europeu desde a parte final da Idade Média: pirataria e comércio. O saque das colônias é a fonte mais imediata dessa acumulação, bastando recordar o saque espanhol na América e o inglês na Índia.
    Esgotando-se rapidamente as possibilidades oferecidas pelo saque, é preciso incentivar o comércio, outra fonte de acumulação – veja-se, por exemplo, o comércio com o Oriente em busca das especiarias e com a África em busca de escravos.
    Possuindo a América terras e minas e sendo necessário reunir aí os fatores produtivos para dela obter mercadorias exportáveis, configuram-se as três outras formas assumidas pela acumulação primitiva no plano mercantil: a exploração das minas, a exploração agrícola através das plantações tropicais e, como condição de ambas,  a exploração da mão-de-obra indígena ou importada. Esta última apresenta-se, por sua vez, como fonte de grandes lucros para os comerciantes nela interessados, podendo-se acrescentar aí também os lucros advindos do tráfico dos chamados “escravos brancos” para as colônias inglesas da América do Norte.
    A luta por estas diversas atividades de exploração altamente lucrativas, ou por algumas delas, irá caracterizar as relações internacionais européias do século XVI ao século XVIII, com constantes guerras continentais e marítimas, européias e coloniais, ao longo das quais é possível estabelecer sucessivas “hegemonias”: a dos paises ibéricos no século XVI, a holandesa no século XVII e a inglesa, fortemente contestada pela França, no decorrer do século XVIII.
    A exploração das áreas coloniais possibilitou, assim, a organização de um verdadeiro sistema de acumulação à sombra do domínio exercido sobre a respectiva produção e comércio. Tal “sistema colonial” distingue perfeitamente as características da colonização e do relacionamento com a metrópole entre as chamadas “colônias de povoamento” e as “colônias de exploração”. Em relação a estas últimas é que o referido “sistema” tende a funcionar plenamente com a exportação da produção agrícola ali desenvolvida sos o sistema de plantation, monopolizada pelos comerciantes metropolitanos de acordo com o princípio do “exclusivismo”. Proíbe-se toda e qualquer relação comercial com outras colônias ou com outros países. Ao mesmo tempo, restringem-se as atividades da colônia, no campo da produção, a fim de não haver concorrências com a produção metropolitana. A colônia existe para a metrópole e sua função precípua é possibilitar o enriquecimento da mesma, quer como fornecedora de mercadorias quer como consumidora dos produtos metropolitanos ou importados através da metrópole. No fundo, o sistema colonial é uma peça essencial do próprio “sistema mercantilista”.
    O mercantilismo, como “política econômica de uma era de acumulação primitiva”, integra e coordena estes esforços de uma burguesia em expansão, garantindo-lhe privilégios, lucros, exclusividade, defendendo, em suma, os seus níveis de renda, através da proteção estatal, e assegurando-lhe as bases políticas e institucionais para fazer valer os seus interesses materiais em relação não apenas à nobreza, mas principalmente em relação ao campesinato e aos artesãos, progressivamente reduzidos à condição de proletariado rural e urbano.


B – A LIBERAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA (Formação do proletariado)

    “Dizer hoje que o capitalismo pressupõe a existência de um proletariado já se tornou um lugar-comum, mas o fato de que a existência de tal classe dependa de um determinado conjunto de circunstâncias históricas raras vezes mereceu atenção no passado, em mãos de autores que dedicaram uma boa soma de análise à evolução do capital sob suas várias formas e ao desabrochar do espírito capitalista.” (Dobb, Maurice. A Evolução do Capitalismo”, p. 272-3)


    Na realidade, a liberação da mão-de-obra, principalmente a camponesa, e a conseqüente formação de um proletariado constituem apenas a outra face do processo que denominamos de “acumulação primitiva”. Esta, na verdade, é o processo criador tanto do Capital quanto do Trabalho, como produtos conjuntos. Houve assim o desapossamento ou expropriação de muitos por alguns poucos, através da vantagem econômica ou política.

“Pode ser que um dos motivos para a negligência comum nesse aspecto da questão tenha sido a suposição implícita de que o aparecimento de um exército de trabalhadores fosse um produto simples da população crescente, criando mais braços do que os empregáveis nas ocupações existentes e mais bocas do que as sustentáveis pelo solo então cultivado. A função histórica do Capital foi dotar do benefício do emprego esse exército de braços excessivos. Se fosse esta a história real, poderíamos ter algum motivo para falar do proletariado como sendo uma criação natural, em vez de institucional, e tratar a acumulação e o crescimento de um proletariado como processos autônomos e independentes. Tal quadro idílico, no entanto, deixa de ajustar-se aos fatos. Na verdade, os séculos nos quais um proletariado se recrutou mais rapidamente eram aqueles de aumento demográfico natural lento e não rápido e a escassez ou plenitude de uma reserva de mão-de-obra nos diversos países não se correlacionava a diferenças comparáveis em suas taxas de crescimento demográfico”. (DOBB, Op. cit. p. 273-4)


    A análise do processo histórico de formação do proletariado, ou de liberação de mão-de-obra para as relações capitalistas, pode ser levada a cabo em função dos diversos setores das atividades produtivas: agricultura e indústria.

A liberação da mão de obra na agricultura está ligada ao processo de cercamento dos campos, já descrito, ao qual cabe a maior parte da responsabilidade pela expropriação do camponês, privando-o de suas terras e reduzindo-o à condição de assalariado. De fato, o mecanismo mesmo do cercamento dos campos determina, logo de saída, a perda de suas terras (parcelas) por todos os camponeses que não podem defender juridicamente o seu direito de ocupá-las em caráter hereditário ou vitalício. Quase sempre só os pequenos proprietários (verdadeiros ou ocupantes das terras em caráter hereditário) conseguem manter-se, pois os que possuem terras arrendadas são compelidos, cedo ou tarde, a abandoná-las. Já aí, portanto, temos uma primeira fonte de camponeses sem terras. Aos poucos, porém, o pequeno proprietário cercado, sem as terras e os direitos de uso comum que suplementavam os seus recursos e ainda às voltas com o crescimento familiar e a divisão de terras daí decorrente, vê-se obrigado a abandonar o campo em busca de outras regiões ou então se dirige para as cidades, de onde muitas vezes emigra para as colônias.
    Em muitos casos, porém, a difusão do tipo de manufatura dispersa, ou mesmo a simples atividade do comerciante-empresário que percorre os meios rurais a fim de utilizar a mão-de-obra camponesa, permite o desenvolvimento do artesanato rural, fornecendo ao camponês artesão uma renda suplementar que irá possibilitar a sua resistência, durante um prazo ora maior, ora menor, às pressões do capitalismo agrário, pois surgem as insuficiências dos seus rendimentos agrícolas.
    É evidente que a substituição de muitas pequenas propriedades por algumas poucas e grandes, de que a Inglaterra é o exemplo clássico, não constitui a única forma de desapossamento capaz de fazer surgir um proletariado. A outra forma deriva da tendência à diferenciação econômica existente dentro da maioria das coletividades de pequenos produtores.

“Os fatores principais nessa diferenciação são as diferenças surgidas no correr do tempo na qualidade ou quantidade de terras possuídas e nos instrumentos de cultivo da terra e animais de trabalho, sendo instrumento do desapossamento eventual a dívida” (DOBB, Op. cit .p. 307-311


Na indústria, a liberação da mão-de-obra processa-se de maneira mais lenta, uma vez que as corporações defendem vigorosamente os seus privilégios. Apesar dessa resistência, as corporações foram incapazes de impedir o desenvolvimento da indústria doméstica rural, bem como o aparecimento das manufaturas privilegiadas, de modo que esses novos setores concorrem de maneira crescente com a produção das oficinas corporativas, incapazes de acompanhar a expansão do mercado consumidor. Além disso, dificilmente a produção artesanal urbana do tipo tradicional consegue resistir aos preços mais baratos que caracterizam a produção dos novos setores.
    Acresce notar que as próprias corporações são dilaceradas  e enfraquecidas pelos seus conflitos e contradições internas, opondo cada vez mais os companheiros aos patrões ou mestres. Verifica-se, ainda, no interior mesmo das corporações, um processo de diferenciação que irá dar origem à burguesia industrial, pois, enquanto alguns patrões enriquecidos se transformam em empresários, a maioria dos mestres e companheiros são reduzidos à situação de dependência em que aparecem como semi-assalariados. Desse modo a corporação se desintegra, pressionada por forças internas e externas que irão promover progressivamente o seu desaparecimento, o qual atinge a sua etapa derradeira no momento mesmo em que a burguesia industrial consegue imprimir ao Estado as suas características liberais, hostis, portanto, ao mercantilismo do Antigo Regime. Mestres e companheiros, em sua maior parte, irão constituir, então, a mão-de-obra especializada das últimas manufaturas e das primeiras fábricas, desempenhando um importante papel nessa etapa do desenvolvimento industrial.


C – OS PROGRESSOS DA TÉCNICA APLICADA À PRODUÇÃO

    Os progressos técnicos estão evidentemente ligados às duas “pré-condições” que acabamos de focalizar: capital e mão-de-obra. É a partir das necessidades criadas pelo desenvolvimento da produção e do comércio, típico da expansão européia verificada a partir do século XV, que os progressos técnicos se aceleram. O renascimento científico marca o primeiro momento desse impulso cuja importância se torna decisiva nos séculos XVII e XVIII, quando então a curiosidade científica, a nova mentalidade voltada para a observação e a experimentação abre caminho às conquistas científicas desse período e, concomitantemente, ás possibilidades de aplicação e utilização dos princípios e teorias assim elaborados ao próprio processo produtivo. Trata-se de um capítulo extremamente difícil e controvertido, qual seja o de analisarmos este avanço simultâneo, paralelo ou não, da ciência e da técnica durante os séculos XVII e XVIII.  Nascendo de exigências práticas ou de especulações teóricas, conforme o caso, as invenções se sucedem e abrem novas perspectivas para a solução de problemas que embaraçam determinadas etapas das atividades produtivas.
    No plano da produção propriamente dita, verifica-se a tendência à crescente divisão e especialização do trabalho, vinculadas à necessidade de maior produtividade. Com isso, abrem-se novas possibilidades à utilização de inventos mecânicos capazes de multiplicar o trabalho humano, utilizando a energia hidráulica e mais tarde o vapor. Realmente, sem essa divisão acentuada do trabalho, é impossível entender-se o processo através do qual foi possível inventar máquinas capazes de realizar com maior rapidez e com maior regularidade movimentos simples até então executados manualmente. É evidente que não se poderia esperar, nos primórdios da industrialização, a invenção de máquinas complexas capazes de executar simultânea e sucessivamente tarefas múltiplas. Os progressos técnicos, portanto, permitiram que se inventassem máquinas capazes de multiplicar o trabalho humano sem com isso, no entanto, chegar propriamente a dispensá-lo. Numa segunda etapa, coube à máquina, em função da sua própria natureza e do que ela representa em termos de investimento de capital, acelerar o desenvolvimento do sistema capitalista, desempenhando um papel decisivo no processo de separação entre o trabalhador e os seus instrumentos de trabalho, uma vez que tende a acentuar a distinção entre o capitalista, dono do capital e conseqüentemente das máquinas, e o trabalhador assalariado, que dele depende para a própria sobrevivência, como comprador de sua força ou capacidade de trabalho.
    O advento da máquina, como coroamento dos progressos técnicos e científicos da era pré-capitalista, constitui, ao mesmo tempo, o marco inicial de uma nova era assinalada de maneira cada vez mais acentuada pelo avanço científico e tecnológico e suas aplicações, sempre crescentes, aos processos produtivos. Esta transformação verificou-se historicamente pela primeira vez na Inglaterra da segunda metade do século XVIII, muito embora tenha sido preparada pelos avanços já obtidos desde o século XVI e no decurso do século XVII.  Na Inglaterra do século XVIII verificava-se, com o rápido crescimento do mercado interno e do mercado externo, uma exigência de constante aumento da produção manufatureira, a fim de atender a estas novas possibilidades de venda.
    Para o empresário, este aumento da produção deveria processar-se de tal maneira que a sua margem de lucro fosse preservada e se possível ampliada, o que nos leva ao problema da produtividade. Realmente, o grande problema que está nas próprias origens do maquinismo é a questão da redução dos custos de produção. É fácil entender-se que, mantido o trabalhador, isto é, a mão-de-obra, em condições bem próximas às do seu limite de sobrevivência por força dos baixos salários da época, não seria possível reduzir ainda mais esses salários, pois isto representaria a própria liquidação da mão-de-obra. Medidas paliativas tais como a maior utilização do trabalho feminino e infantil não poderia resolver em definitivo o problema. Daí, como única saída, procurar-se o aumento da produtividade dessa mão-de-obra, que por ser abundante, ganha muito pouco, mas da qual se pretende extrair o máximo possível de sua capacidade de trabalho. A divisão e a especialização do trabalho vão permitir então que, com a introdução da máquina, seja possível resolver o problema. De fato, a máquina multiplica a produtividade da mão-de-obra, pois é possível agora ao mesmo trabalhador executar, com o auxílio dela, tarefas que antes demandariam muitas horas e dias de trabalho ou muitos trabalhadores. É fácil, portanto, compreender que a máquina veio agravar a tremenda exploração que caracteriza os primórdios da revolução industrial, pois agora o empresário capitalista irá procurar, simultaneamente, obter o máximo do capital que investiu na compra ou fabricação da máquina e o máximo do salário pago ao trabalhador, ao só pela própria utilização da máquina, mas pela maior extensão possível do dia de trabalho, o qual não raro atingia 16 ou mesmo 18 horas.


Dúvidas ou sujestões? Deixe um comentário!

Sua mensagem foi direcionada para moderação, pode demorar uns minutos para visualizar seu comentário. Este procedimento é por motivos de segurança. Agradeço sua visita.

Assinar Postagens | Subscrever Comentários

VÍDEO DESTAQUE

A HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE. O vídeo é uma produção do site Café História e a Café História TV.


LEITORES DO BLOG

TEXTOS MAIS LIDOS

Tecnologia do Blogger.

- Direitos Reservados a Silva. U.G.P.B, - Protegido pela Lei Nº 9.610/98. - © ONTEM & HOJE - Metrominimalist - Escrito por Uenes Gomes P. Barbosa Silva - Template adaptado por SILVA. U.G.P.B. -