postado por : UENES GOMES 23 de jan. de 2014

Mucama de uma fazenda de café no Vale do Paraíba, Caetana se recusou a consumar seu casamento forçado 
Alice Melo
Imagem: Fundação Biblioteca Nacional
Às margens do Paraíba do Sul, a jovem Caetana se casou à revelia com o também escravo Custódio, em uma cerimônia simples, na capela da fazenda Rio Claro, em 1835. A mucama de 17 anos tinha “grande repugnância ao estado de matrimônio” e não lhe animava a ideia de aderir à vida conjugal com aquele que se tornaria seu esposo. Com medo de Luís Mariano de Tolosa, seu senhor, o qual ordenara que se casasse, Caetana disse sim no altar, mas entre quatro paredes não tardou em fazer valer sua vontade. Negou-se a consumar o laço sagrado por três noites seguidas, mesmo após árduas investidas do cônjuge.
Humilhado, Custódio se queixou à família da moça e acabou por despertar a ira do padrinho Alexandre, dono da casa em que o casal morava. Na quarta noite em que ela se negou a aceitar o marido na cama, Alexandre ameaçou castigar Caetana por desobediência. Provida de uma coragem incomum para as mulheres da época, a escrava fugiu aos prantos, sozinha, em direção à casa-grande.
Não se sabe se foi por pena, mas Luís Mariano Tolosa ouviu as queixas da mucama, que trabalhava diariamente em sua casa, e decidiu consultar um advogado para iniciar o processo de anulação do casamento. O processo de Caetana e Custódio foi o primeiro (e um dos únicos) no Brasil que teve como ponto de partida a negativa de uma escrava a consumar um casamento arranjado, como mostrou a pesquisa de Sandra Lauderdale Graham, que descobriu essa história. Uma vez iniciado, o trâmite abriu uma brecha na legislação vigente ao permitir que escravos fossem ouvidos em Corte, num julgamento que envolvia três partes: esposa, marido e Igreja. As testemunhas “puseram a mão direita sobre a Bíblia e juraram dizer somente a verdade”. Apesar de todo o empenho das partes, a anulação foi negada. 
Para tanto, foi fundamental o depoimento do padre que selou a união do casal, o qual chegou a afirmar em carta redigida em próprio punho que antes do casamento ouviu no confessionário da boca de Caetana que ela manifestava vontade de se casar. Durante cinco anos, a moça viveu separada de Custódio, sem consumar o casamento, até o processo passar por todas as instâncias burocráticas necessárias. Não há registros se depois da decisão judicial ela cumpriu seus deveres de esposa e voltou a morar com o marido, o qual, aliás, em juízo, afirmou não ter interesse em permanecer com ela contra sua vontade. Tampouco se conhece de onde Caetana tirou força para desafiar as estruturas de poder da sociedade de seu tempo, já que casamentos forçados, principalmente entre escravos, eram comuns. O que se sabe é que o audacioso “não” de Caetana reverberou na história como símbolo de coragem.
 
Revista de História da Biblioteca Nacional Edição nº 100/14

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